ENTREVISTA | Estadão | Manipulação de resultados

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Esquema de apostas: jogadores investigados podem ser banidos do futebol? Especialistas explicam

Código Penal da Justiça Desportiva detalha punições em artigo sobre infração à ética no esporte; dez atletas estão na mira do Ministério Público por participarem de fraude em troca de dinheiro

O Ministério Público de Goiás (MP-GO) investiga dez jogadores por participação em um esquema de fraudes envolvendo apostas esportivas em jogos do Campeonato Brasileiro das séries A e B de 2022, além de partidas do Paulistão e do Campeonato Gaúcho de 2023. Os atletas cooptados por grupos criminosos que concordaram em fazer parte da fraude em troca de dinheiro estão sujeitos à suspensão das atividades no esporte, além do pagamento de multa.

Quem recebe uma vantagem financeira para alterar um resultado esportivo pode ser enquadrado no artigo 243 do capítulo 5 do Código Penal da Justiça Desportiva, que versa sobre infrações contra a ética desportiva. A pena para quem comete uma infração mediante pagamento ou promessa de qualquer vantagem financeira varia entre 360 e 720 dias de suspensão, além de uma multa que vai de R$ 100 a R$ 100 mil.

“Quando você age deliberadamente para prejudicar a equipe que você defende, ela (a lei) já traz uma pena. Quando você faz isso recebendo uma vantagem financeira, a pena é muito pior. Em caso de reincidência, aí há a possibilidade de banimento”, explica Marcel Belfiore, sócio do Ambiel Advogados, e advogado especializado em Direito Desportivo.

Apesar de alguns dos jogadores investigados estarem envolvidos em mais de uma partida, como por exemplo o zagueiro Eduardo Bauermann, do Santos, o especialista explica que este fato não pode ser classificado como reincidência, afastando o risco de banimento dos atletas investigados pelo MP. Assim, o atleta só corre risco de ser suspenso definitivamente caso seja penalizado e se envolver em outro caso de infração do Código Desportivo.

Boa parte dos jogadores investigados ou citados na denúncia do MP foram afastados preventivamente pelos seus respectivos clubes até que o caso se encerre. Belfiore explica que apesar de se desenhar um cenário favorável para a rescisão do contrato por justa causa, ainda existe uma possibilidade de o fato ser revertido na Justiça, abrindo brecha para o atleta demitido questionar na Justiça a demissão. Por outro lado, caso o atleta seja sentenciado, o clube pode se ver no direito de processar o eventual culpado por danos morais ou materiais.

“Se o clube foi eliminado de uma competição que lhe renderia dinheiro por causa dessa má conduta ou do crime, ou se um atleta fez um pênalti que resultou em uma derrota que eliminou o clube da competição, ou entende que teve sua imagem arranhada, tudo isso pode ser objeto de pedidos de indenização. Vai depender de uma análise do juízo do caso se cabe ou não, mas é perfeitamente possível.”

Além da esfera desportiva, os atletas podem ser enquadrados no artigo 41C do Estatuto do Torcedor (Lei 10671/03): “solicitar ou aceitar, para si ou para outrem, vantagem ou promessa de vantagem patrimonial ou não patrimonial para qualquer ato ou omissão destinado a alterar ou falsear o resultado de competição esportiva ou evento a ela associado”. Existe também a possibilidade de os envolvidos serem incluídos no artigo 41E, que fala sobre “Fraudar, por qualquer meio, ou contribuir para que se fraude, de qualquer forma, o resultado de competição esportiva”. É o que explica Fabiano Jantalia, especialista em Direito de Jogos, professor e sócio-fundador do escritório Jantalia Advogados.

“É preciso entender a dinâmica de cada um dos casos. O problema, no entanto, é que se o Ministério Público entender que há uma ligação entre todos esses agentes, entendendo que está diante de uma caso que configura a atuação de organização criminosa, existe a possibilidade de uma outra pena, de três a oito anos, além de multa, especificada na Lei 12.850 (Lei de Organizações Criminosas). Detalhe, essa pena é acumulativa com as penalidades previstas no Estatuto do Torcedor”, diz o advogado.

De acordo com Jantalia, o jogador que for procurado por um aliciador para realizar ações deliberadas dentro de campo em troca de vantagem financeira deve procurar imediatamente a assessoria jurídica do clube no qual está vinculado, especialmente de algum modo escrito (e-mails ou mensagens de texto) para deixar documentado a sua integridade.

“É importante que a gente aproveite esse episódio para os clubes criarem canais próprios de integridade e protocolos específicos para que esse tipo de situação receba o tratamento adequado. Mas, se o atleta tem receio de procurar o clube por desconfiar que outros jogadores estão envolvidos, ele também pode procurar um próprio advogado para comunicar ao Ministério Público o que está acontecendo”, conclui.

Por fim, Belfiore ressalta que cada caso deve ser analisado separadamente e recorda que alguns dos atletas, como o próprio Eduardo Bauermann, estão sob ameaças dos criminosos pelo não cumprimento dos acordos estabelecidos anteriormente. O advogado destaca que o jogadores, na maioria das vezes, são instrumento pra realização de um crime. Ele acredita que a regulamentação das apostas esportivas no País pode ajudar atletas na conscientização dos perigos de se envolver em esquemas criminosos, além de coibir práticas fraudulentas.

“É importante que o atleta saiba o que fazer e a quem recorrer comunicar, seja a entidade de organização da atividade esportiva, federações, confederações, o poder público… É um processo que tem uma cadeia de comunicações para educar a o desenvolvimento dos atletas”, conclui.

Segundo o Ministério Público de Goiás, jogadores cooptados por grupos criminosos recebiam até R$ 100 mil para provocar cartões amarelos e vermelhos ou realizar outras ações dentro de campo e, assim, ajudar os apostadores. Os atletas recebiam um adiantamento e, após cumprirem o acordo, ganhavam o restante do valor prometido.

Em abril, o MP, por meio do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) e da Coordenadoria de Segurança Institucional e Inteligência (CSI), deflagrou a segunda fase da Operação Penalidade Máxima — a primeira etapa foi realizada em fevereiro e mirava apenas jogos da Série B. Três mandados de prisão, 16 de preventiva e 20 de busca e apreensão foram cumpridos em 16 municípios de 20 Estados brasileiros diferentes, incluindo São Paulo e Rio.

Fonte: Estadão

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