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As soluções de pagamento para o mercado de iGaming no Brasil

Nos últimos anos, o mercado de pagamentos no Brasil tem se mostrado um ambiente fértil e altamente propício para celebração de novos negócios e operações. Em sua coluna de opinião exclusiva para o GMB, Paulo Portuguez, sócio do Jantalia Advogados e especialista em Direito Bancário, analisa as opções e soluções financeiras para os operadores da crescente indústria das apostes esportivas e iGaming.

Sem dúvida alguma, muito dessa inovação foi potencializada pelo avanço e estruturação de novas soluções de pagamento, como o PIX, em grande parte encabeçadas pelo Banco Central do Brasil (BCB), premiado e reconhecido internacionalmente como um dos reguladores mais inclinados à inovação em todo o mundo.

O PIX é o mais expoente, e exemplo mais significativo dessa inclinação, mas outras iniciativas não podem ser ignoradas, como o open finance, a CBDC (Real Digital) e regulação do mercado de criptoativos e tokenização. Todos esses são traços distintivos do “jeito BCB” de regular e fomentar a economia brasileira.

Nas palavras do COA, o PIX “se tornou um modelo mundial de inclusão financeira, com bancos centrais da região (América Latina) e de outras partes do mundo tentando replicar iniciativas similares em seus mercados”.

Os dados estatísticos demonstram que, desde sua criação em novembro/2020, a solução de pagamentos PIX tem aumentado progressivamente sua margem de utilização em quase 107% ao ano. Somente em dezembro de 2022, foram realizadas cerca de 2,9 bilhões de transações via PIX, um crescimento de 1.900% quando comparado ao primeiro mês de sua utilização, ainda em 2020. Em termos de valores transacionados, para esse mesmo período (12-2022), o PIX foi responsável pela movimentação de R$ 1,2 trilhão de reais.

O padrão de uso dos brasileiros indica que 93% das transações realizadas entre pessoas físicas são viabilizadas para transferências de valores até R$ 200,00 (duzentos reais). Esse dado se revela altamente importante quando se fala do mercado de iGaming, em que os valores vertidos pelos apostadores raramente superam essa quantia, dada sua característica interativa e de entretenimento.

Em outras palavras, a política regulatória do banco central brasileiro gira em torno do interesse de viabilizar que praticamente todos os brasileiros gozem de interação com esse meio de pagamento instantâneo. A pergunta é: como setor de iGaming poderia se beneficiar dessa solução?

Com o advento da Lei n. 14.790, de 29 de dezembro de 2023, todas as empresas operadoras de apostas esportivas e jogos online precisarão, obrigatoriamente, ter algum tipo de representação física no Brasil, com sede devidamente constituída e registro no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ) – art. 7º, da lei referenciada.

Tal obrigatoriedade afasta, de imediato, a pronta necessidade de operadores recorrerem ou demandarem instrumentos de eFX para viabilização e distribuição de suas receitas.

A “nacionalização” da operação traz consigo facilidades de integração e oferece a possibilidade de players internacionais simplesmente se “acoplarem” a arranjos de pagamentos já existentes no País, inclusive em matéria de PIX, desde que venham a se habilitar perante uma instituição regulada e participante direta do PIX, igualmente habilitada a oferecer tal funcionalidade e prover contas transacionais aos seus clientes.

Diferentemente da sistemática aplicável às pessoas físicas, o BCB autoriza que as instituições reguladas cobrem taxas ou tarifas para prover PIX a pessoas jurídicas. Portanto, os operadores, com a devida instalação em território brasileiro, poderão oferecer serviços PIX aos seus clientes a partir de negociações estabelecidas com instituições financeiras ou de pagamentos que possibilitem essa operação.

Para além da solução PIX, é possível que essa indústria também venha se utilizar das outas soluções colaterais que possam permitir a oferta de serviços mais amplos aos seus usuários. As Instituições de Pagamento (IPs), reguladas pelas Resoluções BCB n. 80 e n. 81, se apresentam como umas das melhores oportunidades nesse cenário. Contudo, é importante que tal empreitada “converse” com o porte da operação imaginada, de modo que não se torne precipitada essa opção.

Com soluções mais céleres e menos burocráticas, há os Gateways de pagamento e o PSP (processadores de serviços de pagamento) como expoentes alternativos para viabilizar, concretamente, operações de transferências de recursos entre operadores e apostadores. Uma solução mais moldada à necessidade operacional desse segmento, e com fácil adaptabilidade.

Por fim, como uma das soluções mais polêmicas, há o Baas (Banking as a Service), estrutura negocial que permite, literalmente, a oferta de serviços bancários em geral aos usuários e apostadores, por meio de API integrado aos próprios operadores.

Essa solução, sem dúvida alguma, desponta como uma das mais completas para esse segmento, por se constituir como uma espécie de core bancário. Entretanto, é muito importante o mapeamento de custos por parte dos operadores, já que a sua estruturação depende de subcontratação (ou melhor, da oferta) desses serviços por instituições autorizadas e supervisionadas diretamente pelo BCB, sobre as quais recairá o ônus regulatório dessa atividade.

Essa última alternativa é polêmica porque concentra atividades de crédito que, em tese, seriam disponibilizadas aos operadores. Todavia, trata-se de alternativa que, de alguma maneira, já recebeu sinalização negativa pelo Ministério da Fazenda na Portaria Normativa nº 1.330, de 2023, ao indicar que não serão admitidos instrumentos de pagamento que “ofereçam conta de pagamento pós-paga ao apostador”, conforme art. 19, inciso I, desse ato administrativo.

Como se vê, portanto, a verdade é que opções e soluções financeiras para essa indústria não faltam no Brasil, cabendo aos operadores realizarem um estudo de negócios aprofundado para compreender qual solução se adequa melhor a suas necessidades e demandas imediatas.

Paulo Portuguez

Fonte: Games Magazine Brasil

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Súmula CRSFN e “Conselhinho” como instância revisora do BC e da CVM

Por Fabiano Jantalia e Paulo Portuguez

Desde o advento da Lei nº 13.506, de 2017, o processo administrativo sancionador no âmbito do BC (Banco Central) e da CMV (Comissão de Valores Mobiliário) tem passado por grandes transformações e percorrido uma consistente trajetória de aprimoramento de práticas e procedimentos, calcando-se em critérios cada vez mais seguros e previsíveis para os administrados.

Desde então, BC e CVM experimentaram uma produção interessante de normas cada vez mais claras sobre os métodos de composição à disposição dos sujeitos e instituições supervisionadas.

A CVM, por exemplo, consolidou a adoção de instrumentos já utilizados e consagrados na Lei nº 6.385, de 1976, como é o caso do termo de compromisso (TC), previsto na norma desde o ano de 1997 (artigo 11, §5º) — após atualização legislativa. Já o BC encontrou no termo de compromisso uma feliz inovação legislativa que tem permitido uma abordagem alternativa à via sancionadora tradicional em seu mercado supervisionado, que tem sido inclusive amplamente utilizada desde sua criação.

Entretanto, decorridos pouco mais de cinco anos do advento da referida reformulação legislativa, alguns aspectos ainda despertam alguma inquietação naqueles sujeitos à supervisão e à fiscalização dessas entidades. Uma das mais comentadas diz respeito à (im)possibilidade da adoção de mecanismos que propiciem uma dupla validação das deliberações relativas à pertinência de propostas de termos de compromisso nessas entidades.

Não raramente, no dia a dia da atividade profissional, é comum escutar-se questionamentos do gênero: “se por acaso a minha proposta de TC for rejeitada, como poderei rever essa posição? Ou a opinião da CVM ou do BC são irrefutáveis nesse aspecto?”

O assunto é controverso pois, afinal, é inegável a competência e a expertise desses agentes para assuntos correlatos à sua esfera de controle, inclusive sob o viés normativo-regulatório e de inovação. Uma reposta tradicional ao questionamento supracitado certamente conduziria à afirmação de que tal assunto poderia ser submetido a um segundo escrutínio, ainda que postergado. Porém, não é bem assim o que ocorre.

No Banco Central, o termo de compromisso originariamente rejeitado está sujeito a um simples “pedido de reconsideração”, que deve ser endereçado à mesma autoridade que indeferiu a sua celebração, a teor do artigo 76, da Resolução BCB nº 131, de 2021. De outro lado, no âmbito da CVM sequer existe previsão de recurso ou pedido de revisão na Resolução CVM nº 45, de 2021,de modo que a decisão da Diretoria da Autarquia, ao mesmo tempo em que é a única, é também irrecorrível.

Recentemente, o Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional (CRSFN) editou a Súmula nº 3, de 12/5/2023, para consignar expressamente que “as decisões proferidas em primeira instância administrativa relativas à proposta de celebração de termo de compromisso possuem natureza discricionária e não comportam revisão no âmbito do CRSFN”.

Essa orientação, é bem verdade, já vinha se sedimentando no âmbito do “Conselhinho”, sustentada na tese de que não haveria competência deste órgão para se imiscuir no juízo de discricionariedade exercido em 1ª instância administrativa em matéria negocial (orientação inclusive endossada pela PGFN quando instada a oferecer parecer nos recursos analisados).

Contudo, se o referido órgão detém competência a nível recursal para reformar ou anular decisões condenatórias de ordem técnica destas instituições, por qual razão não a teria para analisar decisões igualmente técnicas e até mais brandas? A questão que parece ser a tônica desta inquietação, portanto, é a seguinte: não poderia o “Conselhinho”, na qualidade de órgão recursal imediato, passar a desempenhar um papel mais ativo na dinâmica dos processos sancionadores quando tramitarem ainda em 1ª instância?

O debate, é bom que se frise, é muito mais profundo do que aparenta e, naturalmente, tem feições muito mais de ônticas do que ônticas.

É preciso então dizer que a função revisora do CRSFN não seria de todo inédita para o colegiado, até porque ele já desempenha tarefa semelhante no campo das medidas acautelatórias impostas pelo BC, quando funciona como órgão recursal imediato de controvérsias, antes ou durante o curso de qualquer processo administrativo sancionador..

Veja-se que tal atribuição poderia até colaborar para a redução do fluxo e do volume de recursos endereçados ao órgão com escopo unicamente sancionador e condenatório, já que grande parcela dos casos poderia ser resolvida apenas na via negocial e ainda em 1ª instância, quando viável, obviamente.

Como dito, a ausência de competência recursal específica para esse fim não parece gozar de causa ou motivo particular. É sempre bom rememorar que o princípio da discricionariedade administrativa permeia toda a Administração Pública, sendo deveras contraditório cogitar que o órgão recursal, que reforma decisões técnicas das entidades de supervisão, não tenha aptidão para assim também o fazer à luz dos critérios subjetivos (de conveniência e oportunidade) exigidos para aceitação dos Termos de Compromisso.

Dito de outra forma, se o CRSFN tem poder de revisar o resultado mais gravoso da atividade julgadora da CVM e do BC sob o ponto de vista meritório dos processos (e até mesmo de forma cautelar em ocorrências individualmente identificadas, no âmbito do BC), por qual razão não o poderia sob o viés da mesma adequação, quando efetua a análise de um juízo preliminar de gravidade de determinada conduta (motivo habitual de recusa de celebração dos TC)? Talvez até por esse motivo, estejamos presenciando um grande processo de aprimoramento desses mecanismos de prevenção no Brasil.

A conclusão que aqui parece ser inevitável, portanto, é a de que repensar a amplitude da atuação revisora do CRSFN relativa do termo de compromisso é uma medida necessária. Seja sob uma vertente mais reflexiva, para passar a considerar a possibilidade deste órgão ser instado a se manifestar pontualmente sobre propostas de TC rejeitadas e que não pudessem aguardar o julgamento de mérito do processo em função do risco de tal provimento tornar-se inútil, por exemplo; ou seja sob uma perspectiva mais prática, para se cogitar ao menos da possibilidade de devolução da questão em sede de preliminar de recurso voluntário, admitindo que o órgão recursal reaprecie a conformidade da decisão de rejeição do Termo de Compromisso sem qualquer risco de preclusão.

A bem da verdade, qualquer dessas abordagens significaria uma abrupta mudança de rumos no enfrentamento atual dessa temática. Para a primeira abordagem, alterações na competência recursal do CRSFN precisariam ser realizadas (especificamente no artigo 2º, do Decreto nº 9.889, de 2019). Para a segunda abordagem, contudo, é possível imaginar um amadurecimento do assunto a nível jurisprudencial pelo próprio órgão, que, em nova oportunidade, poderia concentrar esforços na análise do assunto à luz do fenômeno da preclusão.

Em que pese a sensibilidade do assunto, as reflexões aqui resumidas se destinam à finalidade exclusiva de fomentarmos e aprimoramos ainda mais o microssistema de direito administrativo consensual que orienta a atuação do BCB e da CVM. Com a possibilidade de revisão das decisões em TC, certamente haveria um maior estímulo ao aprimoramento do processo de deliberação a respeito desses termos.

Nesse contexto, parece mais do que nunca importante (re)avaliar se, à vista dos elementos lançados acima, o enunciado da Súmula CRSFN nº 3, de 2023, efetivamente contribui para esse propósito ou se, na verdade, busca encerrar prematuramente um debate que pode e deve ser muito mais amplo e complexo do que parece.

Fonte: Revista Conjur